Hoje vamos falar de longevidade. É um erro comum imaginar que velhice é necessariamente igual a doença . Especialmente para a medicina chinesa, é possível e desejável ter longevidade com saúde.
Vamos primeiro definir longevidade. Idealmente, uma vida longa, na estimativa da civilização chinesa, é o pleno potencial de duração de uma vida humana, 100 anos ou mais. Em um texto clássico, como o Clássico Interno do Imperador Amarelo (Huángdìnèijīng 黃帝內經) esta preocupação já aparece no seu primeiro capítulo:
“As pessoas da alta antiguidade, que conheciam o Tao, seguiam as leis de Yin e Yang, em harmonia com a arte dos números, comiam e bebiam o que havia nas estações, a vida diária tinha constância, não trabalhavam em excesso, assim conseguiam que corpo e espírito se unissem, e chegavam ao fim do limite natural de suas vidas, passando de cem anos ao morrer” [minha tradução] (Huangdineijing, Suwen, cap. 1).
Aqui, o limite natural de suas vidas, (em chinês, tiān nián 天年), é o tempo que viveríamos se nossa vida não fosse interrompida por alguma tragédia, ou encurtada por nossos descuidos com a saúde. Na citação, vemos uma receita de longevidade, que vamos explicar agora.
A receita de longevidade com saúde do Imperador Amarelo
Primeiro, a “pessoas da alta antiguidade” pertencem uma época lendária, antes dos registros históricos escritos. Pois o próprio Imperador Amarelo teria vivido por volta de 2600 a.C. . Então, o começo da civilização chinesa é o modelo de longevidade com saúde , quando as pessoas ainda viviam em harmonia com a natureza.
“conheciam o Tao, seguiam as leis de Yin e Yang, em harmonia com a arte dos números”
Isto significa que compreendiam os ciclos naturais do dia e das estações do ano e faziam suas atividades em harmonia com estes ciclos. Por exemplo, descansavam à noite e trabalhavam de dia. Veremos a relação entre os horários e as atividades em uma futura postagem. Como viviam de caça e pesca, agricultura e pecuária, observavam as características das estações e ajustavam suas atividades a elas: as épocas certas de plantar e colher, caçar e pescar, dormiam e acordavam cedo, protegiam-se das intempéries.
“Comiam e bebiam o que havia nas estações”
Outro ponto importante, é a alimentação saudável. Estas pessoas comiam o que obtinham da terra, ou seja, as frutas, verduras, legumes, grãos e carnes disponíveis naquela época do ano. Não havia congelador nem importação de alimentos, sem falar de processamento industrial da comida.
“A vida diária tinha constância”
Além disso, suas vidas tinham um ritmo harmônico. Hoje sabemos que um horário regular (para dormir e acordar, fazer as refeições e outras atividades diárias) é um fator de saúde. Não precisa ter a rigidez do horário mecânico do relógio, porque há pequenas variações em função da época do ano. Por exemplo, nascer e o por do sol mudam, a duração do dia, também.
O próximo ponto, “não trabalhavam em excesso” é extremamente importante nestes nossos tempos de síndrome de Burnout, fadiga crônica e morte súbita por excesso de trabalho. Como vimos antes [inserir link para a visão de saúde], saúde é equilíbrio de Yin e Yang. Aqui, o Yin representa o descanso, o Yang, o trabalho.
“Conseguiam que corpo e espírito se unissem”
Por fim, esta é uma referência indireta a exercícios meditativos, típicos da tradição taoista. Unir o corpo e o espírito pode ser interpretado como efeito referência à prática de “guardar a unidade” (守一 shǒuyī), a expressão mais antiga nos textos clássicos para falar de meditação. Cultiva a serenidade, além de prática espiritual, é um método para longevidade com saúde.
Resumindo
Combinando estes pontos-chave, obtinham longevidade com saúde. Quais são eles?
- Conhecer e estar em harmonia com os ciclos naturais;
- Comer e beber o que está naturalmente disponível nas estações;
- ter uma rotina diária bem organizada, que integra os pontos 1 e 2;
- Não se exceder no trabalho.
- Praticar regularmente exercícios suaves e meditativos, para “nutrir a vida” (yǎng shēng 養生).
E é assim que “chegavam ao fim do limite natural de suas vidas, passando de cem anos ao morrer”.
Será possível fazer isso nos dias de hoje?
Você pode se perguntar: mas, e hoje, como isso se aplica? Afinal, não estamos mais nos tempos antigos ou “pré-históricos”. Agora temos luz elétrica, alta tecnologia, sociedade de consumo, divisão social do trabalho típica do capitalismo tardio e, em consequência disso, vários novos problemas, inclusive de saúde.
Pois bem, isso se aplica a nós com inteligência e sensibilidade. É verdade que vivemos em outra época e contexto cultural, mas as lições essenciais continuam válidas. Isto é, se queremos ter longevidade com saúde.
Como isso se aplica à vida contemporânea
Para ter longevidade com saúde, precisamos corrigir alguns erros do estilo de vida contemporâneo, que nos fazem adoecer, principalmente de doenças crônicas e metabólicas, encurtando a duração natural de nossas vidas.
Ritmo de vida e ciclos naturais
Quando não respeitamos as condições climáticas, o ritmo natural de dia e noite, as variações de luminosidade e temperatura que vem com as mudanças das estações, certamente vamos nos prejudicar.
Alimentação equilibrada e exercício
A mesma coisa vale para o excesso de alimentos industrializados, com aditivos nocivos à saúde (conservantes, realçadores de sabor, e muitos outros), e também para a dieta desequilibrada (pobre de nutrientes e rica de açúcar e gordura) que, por ser mais barata e saborosa, torna-se predominante. Temos um aumento de doenças crônicas e metabólicas hoje que poderia ser significativamente contido com mudanças de estilo de vida, incluindo alimentação mais saudável e exercícios moderados.
Reparem que o Imperador Amarelo menciona só indiretamente a prática de exercícios. Afinal, isso só é um problema para a população urbana e sedentária. Quem vivia na roça, na mata, tinha muita oportunidade diária para se movimentar, não precisava parar para fazer ginástica. Já trabalhava a terra, cuidava dos animais, carregava água, rachava lenha, construia a própria casa e fabricava seus utensílios e ferramentas. Mesmo nas cidades antigas, as pessoas comuns tinham que se deslocar a pé e mover o corpo nos seus afazeres diários.
Excesso de atividades, estímulos e trabalho
Além da má alimentação, também o excesso de atividades e estímulos perturba a rotina diária. Especialmente, trocar o dia pela noite, e estar ativo e agitado quando já deveria estar dormindo. O fato que uma grande cidade pode funcionar 24 horas por dia, com luz artificial e ruído constante, desequilibra nossos ritmos orgânicos. Muita gente hoje sofre de transtornos do sono e dificuldades de concentração.
Com relação ao excesso de trabalho, uma mistura de exploração capitalista, principalmente das profissões mais mal remuneradas, e de ambição pessoal, dos mais afortunados, contribui para que trabalhemos muito mais do que seria sensato ou necessário. As jornadas de trabalho avançam noite a dentro, nos fins de semana e feriados. E o resultado é a exaustão crônica.
Concluindo
Portanto, vocês já devem ter percebido que a obtenção de longevidade com saúde não depende de uma “pílula mágica”, mas de um conjunto de ajustes no nosso estilo de vida. Certamente, a hereditariedade e uma boa constituição também desempenham um papel aqui. Mas muitas vezes, pessoas com uma constituição mais robusta acabam se cuidando menos e se expondo a riscos e desgastes evitáveis. Enquanto pessoas mais frágeis, mas mais prudentes, podem viver mais com saúde, porque sabem se preservar. O próprio mestre Liu Pailin, aos 90 anos, dizia que sua família não era longeva. Todos os seus parentes haviam morrido por volta dos 50 anos. Sua longevidade com saúde era devida, em larga medida, à prática regular dos treinamentos taoistas e à compreensão dos ciclos naturais.